FalaPET: n°26 — ECONOMIA FEMINISTA: A RELAÇÃO DO FEMINISMO LIBERAL COM A MANUTENÇÃO DA TEORIA NEOCLÁSSICA
Esse trabalho tem como o intuito analisar o artigo “Economia feminista e a crítica ao paradigma econômico predominante” da economista Marilane Teixeira, para compreender o surgimento da economia feminista e suas vertentes. O livro Feminismo Para os 99%: um manifesto, das autoras Cinzia Arruzza, Nancy Fraser e Tithi Bhattacharya, será utilizado, a fim de discorrer acerca do feminismo liberal e sua relação com a manutenção economia neoclássica, assim como o propósito do feminismo que engloba a todos, principalmente as mulheres marginalizadas.
Segundo Marilane Teixeira (2019), em seu artigo “Economia feminista e a crítica ao paradigma econômico predominante”, a economia feminista se desenvolve no século XX a fim de contestar os modelos pressupostos pelos neoclássicos, que continuam sendo a economia dominante, dado que a economia neoclássica e o liberalismo econômico são pensados pelos homens brancos de alto poder na sociedade para satisfazer sua própria classe, desconsiderando as relações sociais externas e focando em um agente econômico racional.
Em 1960, com o ingresso das mulheres brancas e casadas no mercado de trabalho americano surgem as teorias ortodoxas para explicar a participação de trabalhadores não masculinos, dado que as mulheres não eram incorporadas nesse sistema e não eram aceitas na área de ciências econômicas. Entretanto, essas mulheres se pautavam no feminismo liberal, que favorecia as mulheres brancas de classe média alta, de famílias burguesas e desconsiderava as questões de raça, de gênero e vulnerabilidade socioeconômica. “Então, em geral, o feminismo liberal oferece o álibi perfeito para o neoliberalismo.” (Arruzza et al, 2019, pág. 33).
Essas teorias que surgem inicialmente não estão preocupadas em criticar o sistema liberal, mas garantir igualdade entre as pessoas da mesma classe, em vez de desmistificar a hierarquia social e o ideal patriarcal. As mulheres em condições socioeconômicas vulneráveis ou que trabalham em empregos domésticos não são consideradas dentro dessas teorias. Ainda, as discussões que englobam a questão da sexualidade e identificação de gênero, assim como a marginalização dessas pessoas dentro da sociedade e da economia vieram muito posteriormente. No trecho a seguir do livro Feminismo Para os 99%: um manifesto das autoras Arruzza, Bhattachaya e Fraser discorre sobre o que significa o feminismo que realmente engloba as questões sociais das mulheres marginalizadas na sociedade.
“[…] das mulheres pobres e da classe trabalhadora, das mulheres racializadas e das migrantes, das mulheres queer, das trans e das mulheres com deficiência, das mulheres encorajadas a enxergar a si mesmas como integrantes da “classe média” enquanto o capital as explora. E isso não é tudo. Esse feminismo não se limita às “questões das mulheres” como tem sido tradicionalmente definido. Defendendo todas as pessoas que são exploradas, dominadas e oprimidas, ele tem como objetivo se tornar uma fonte de esperança para a humanidade. É por isso que o chamamos feminismo para os 99%.” (Arruzza et al, 2019, pág 34)
Consoante Teixeira (2019), a economia feminista de conciliação tem o intuito de recuperar as atividades femininas que eram invisíveis para as teorias clássicas econômicas, buscando redefinir os princípios da economia e do trabalho. Isso foi dividido em duas partes: primeiro seria necessário tornar trabalhos domésticos e de reprodução visíveis, assim como tornar notável a desigualdade de gênero e integrá-los na teoria econômica. Com isso, é necessário analisar dois fundamentos centrais: divisão sexual do trabalho e o conceito de família nuclear tradicional. “A divisão sexual do trabalho, de origem marxista, mas que posteriormente seria utilizada pelo conjunto de economistas feministas de conciliação, pretende captar toda uma estrutura social em que mulheres e homens têm condições diferentes no trabalho profissional e doméstico.” (Maruani, 2000:65) apud Teixeira, 2019, pág. 157). Isso se dá devido ao conceito de família nuclear, em que exclusivamente o homem ocuparia a posição de provedor da família, sendo reafirmado como o dominador da casa e da hierarquia social. Com isso, percebe-se que essa conjuntura de família nuclear que favorece apenas os homens é refletida dentro da teoria econômica, principalmente nas hipóteses da ideia neoclássica.
Com isso, surge a terceira análise acerca da desigualdade de gênero entre mercado e não mercado. Para isso, tem-se duas explicações. A primeira é uma visão economicista que pressupõe que os acontecimentos no âmbito doméstico se dão devido ao mercado, sendo, assim, uma consequência do mercado. A segunda visão considera as complexas interações e relações que ocorrem simultaneamente no ambiente doméstico e de mercado, que entrelaçam questões de classes e gêneros. “Enfim, é a partir da análise de ambas as esferas econômicas que se poderá explicar a totalidade da realidade e da atividade econômica das mulheres. (Teixeira, 2019, pág. 158)”.
No entanto, para a economia feminista de ruptura, a economia feminista de conciliação não seria o suficiente para englobar na atividade econômica o trabalho doméstico, pois este seria analisado em segundo plano, de forma derivada e em prol do mercado. Ao passo que a economia feminista de ruptura se baseia na sustentabilidade humana, em que as atividades de cuidado devem ser reconhecidas dentro de análises econômicas. “Desse ponto de vista, a noção de trabalho utilizada para delimitar o trabalho realizado no mercado necessita ser ampliada para incorporar todas as atividades que entram na formação de parte do processo de sustentabilidade da vida humana.” (Teixeira, 2019, pág. 159)
De acordo com Teixeira (2019), a economia feminista tem como objetivo melhorar as condições econômicas das mulheres, refazendo o pensamento econômico, assim suas teorias e políticas, dado que as teorias tradicionais estão diretamente ligadas ao androcentrismo — enfoque total no homem -, e também foram escritas em uma época que a economia não englobava as lutais sociais e políticas. A partir disso, é preciso considerar dentro desses movimentos e lutas, não somente mulheres brancas de famílias de alto poder, mas todas as mulheres da classe trabalhadora. “[…] racializadas, migrantes ou brancas; cis, trans ou não alinhadas à conformidade de gênero; que se ocupam da casa ou são trabalhadoras sexuais; remuneradas por hora, semana, mês ou nunca remuneradas; desempregadas ou subempregadas; jovens ou idosas.” (Arruzza et al, 2019, pág 35).
Para isso, é necessário criticar não somente o neoliberalismo, mas também o capitalismo em si. A estrutura do sistema capitalista priva a sociedade daquilo que é básico para sobrevivência e deteriora cada vez mais os direitos, fazendo com que as minorias sejam oprimidas e sofram mais ainda com a marginalização dentro desse sistema. Além disso, o capitalismo reforça o sexismo e a opressão de gênero, uma vez que separa a sociedade em dois grupos: as mulheres, que tinham o trabalho de reproduzir e os homens que obtinham lucros. Essa forma de reprodução ressalta o patriarcado e a heteronormatividade, colocando as mulheres de classe trabalhadora, racializadas e LGBTQI+ no lugar de submissa e o homem branco no topo da hierarquia social.
Nesse sentido, é necessário desenvolver novas teorias, a fim de desassociar da teoria neoclássica tradicional, que tem como pilar a relação patriarcal e só privilegia os homens de classe alta. Entretanto, essas novas ideias devem considerar questões de raça, gênero, e condições socioeconômicas, englobando em sua totalidade relações sociais e os indivíduos. A economia feminista, apesar de ter suas limitações e divergências como qualquer outro pensamento, surgiu com o intuito de criticar a economia dominante e dar voz as mulheres na sociedade e na comunidade acadêmico. No entanto, é preciso analisar se o discurso engloba todas as mulheres marginalizadas e não se alinha com o feminismo liberal, pois esse tipo de feminismo vai continuar seguindo os pilares neoliberais e tradicionais, que privilegiam uma única classe e raça, não dando espaço para as pessoas que compõe o corpo social. Assim como as autoras Arruzza, Bhattachaya e Fraser desenvolvem em em seu livro, é preciso de um feminismo que abrange os outros 99%.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BHATTACHARYA, Tithi. FRASER, Nancy. Feminismo para os 99%: um manifesto. São Paulo: Boitempo, 2019.
TEIXEIRA, Marilane Oliveira. A economia feminista e a crítica ao paradigma econômico predominante. Tematicas, Campinas, SP, v. 26, n. 52, p. 135–166, 2018. DOI: 10.20396/tematicas.v26i52.11706. Disponível em: https://econtents.bc.unicamp.br/inpec/index.php/tematicas/article/view/11706. Acesso em: 26 abr. 2024
Letícia Silva Souza
O FalaPet é uma publicação de resenhas do PET Economia da UFF Campos.
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